Cortes federais de Trump impactam pesquisa de combate ao HIV

Um projeto de pesquisa considerado promissor para o combate ao HIV no bairro mais atingido pela epidemia na capital dos Estados Unidos foi abruptamente interrompido após o cancelamento de seu financiamento federal. O Centro de Saúde LGBTQ Whitman-Walker, que já havia dado início à construção de seu novo centro de pesquisa biomédica, teve os recursos cortados pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), conforme informações do The Body.

Em 2022, o NIH havia aprovado um financiamento de US$ 2 milhões para a iniciativa. O novo centro, estrategicamente localizado no sudeste de Washington, D.C., tinha como objetivo crucial aumentar a inclusão de pessoas negras em estudos clínicos sobre o HIV, oferecendo cuidados de saúde integrados à oportunidade de participação em pesquisas no mesmo local.

O projeto demonstrava significativo apoio de autoridades de saúde. Em 2024, figuras importantes como Monica Bertagnolli, então diretora do NIH, e Jeanne Marrazzo, diretora do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), visitaram as instalações em construção, sinalizando um endosso à iniciativa.

No início de 2025, cerca de US$ 667 mil da verba já haviam sido investidos no projeto. A equipe da Whitman-Walker se preparava para dar início às obras quando, em 21 de março, recebeu uma comunicação oficial anunciando o cancelamento do restante do financiamento.

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A justificativa apresentada pelo NIH para a abrupta interrupção foi uma alegada mudança nas prioridades do governo. A carta enviada ao centro de saúde continha críticas a projetos com foco em diversidade, equidade e inclusão, classificando tais estudos como “anticientíficos” e potencialmente prejudiciais.

O cancelamento do financiamento representa um revés significativo para os esforços de combate ao HIV em uma das comunidades mais impactadas pela epidemia e levanta questionamentos sobre o futuro de pesquisas voltadas para a inclusão e a equidade na área da saúde.

Cortes atingem diversas pesquisas sobre HIV

Esse cancelamento faz parte de uma série de cortes promovidos pelo novo governo Trump. Só na área do HIV, projetos em diferentes frentes estão sendo encerrados:

– Pesquisas básicas sobre o vírus e caminhos para tratamento, prevenção e cura;
– Estudos que ampliam opções de medicamentos;
– Pesquisas sociais que analisam por que certos grupos têm melhores resultados de saúde que outros.

Segundo especialistas, os cortes atingem especialmente estudos que tentam reduzir desigualdades históricas no sistema de saúde — voltados a pessoas negras, LGBTQIA+, imigrantes, mulheres e usuários de drogas.

“É um massacre”, afirma Richard Jefferys, do grupo de pesquisa Treatment Action Group. “Nunca vimos a ciência ser atacada assim por questões políticas.”

John Meade, do grupo global de prevenção AVAC, concorda. Ele relata que bolsas estão sendo cortadas apenas por conterem palavras como “diversidade” ou “equidade”. Ainda não se sabe quantas bolsas já foram canceladas, mas a tendência é preocupante: pode haver aumento nos casos e mortes por HIV e aids nos próximos anos, após décadas de queda.

Pesquisadores iniciantes também são atingidos

Entre os afetados está Nate Albright, que acabou de concluir o doutorado na Universidade Estadual de Ohio. Ele liderava uma pesquisa sobre o uso da PrEP e da doxiPEP por jovens gays e mulheres trans — o estudo recebeu um financiamento de US$ 42 mil. Felizmente, ele já estava finalizando o projeto, mas teme que outros jovens pesquisadores, especialmente negros e LGBTQIA+, desistam da área por medo de não conseguirem apoio no futuro.

“Se os recursos acabam, muita gente vai para a indústria farmacêutica”, diz Albright. “Isso gera uma escassez de dados importantes para a saúde pública.”

Impacto global e futuro incerto

Os cortes também preocupam outros países. O método usado nas vacinas de mRNA contra a covid-19, por exemplo, veio de pesquisas com HIV. Agora, com os EUA se afastando do financiamento científico, cresce o ceticismo internacional.

“Estamos perdendo mais do que dinheiro”, diz Meade. “Estamos perdendo a confiança global. Se amanhã quisermos retomar a cooperação, muitos países vão duvidar da nossa estabilidade.”

A Whitman-Walker está tentando recorrer da decisão e busca outras fontes de financiamento. “Estamos muito perto do início da construção. É uma corrida contra o tempo”, diz Jonathon Rendina, diretor sênior de pesquisa da instituição. A equipe também estuda como reduzir custos do projeto para viabilizar a obra.

Apesar do cenário difícil, Rendina acredita que os cortes vêm de um mal-entendido: “A pesquisa baseada em equidade tenta corrigir injustiças históricas. Não é tendenciosa, é necessária.”

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