Padre Lino teve que parar de rezar missas na igreja de Fortaleza e pediu ajuda ao programa estadual de proteção a defensores dos direitos humanos
São 8h da manhã de domingo, 18 de julho. Do lado de dentro da Paróquia da Paz ―uma igreja católica instalada no coração de uma ilha bolsonarista de Fortaleza―, os bancos de madeira vão sendo ocupados por pessoas vestindo camisas verde-amarelas, algumas delas com o nome do presidente Jair Bolsonaro estampado nas costas. O dress code pouco usual para uma celebração religiosa e divulgado em vários vídeos nas redes sociais tinha uma razão: mostrar a articulação de um grupo de aproximadamente 20 pessoas, formado majoritariamente por militares reformados e empresários, contra o credo progressista do padre italiano Lino Allegri, de 82 anos, que algumas vezes por mês celebra missas naquela paróquia.
Adepto da Teologia da Libertação e leal à visão de que é papel da igreja adaptar o Evangelho à realidade atual em defesa dos pobres, Allegri viu formar-se contra si uma espécie de patrulha aos seus sermões depois de fazer críticas, no início do mês, ao descaso de Bolsonaro na crise sanitária e dizer que o presidente também tem responsabilidade pelos mais de 544.000 mortos registrados no país. O grupo, apelidado pejorativamente pelos outros frequentadores de “pijamas patriotas”, achou que a missa daquele domingo seria celebrada por Allegri e compareceu em peso. Todos prontos para reagir caso ele voltasse a criticar o Governo. Do lado de fora, policiais militares vigiavam para evitar que a situação saísse do controle.
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Mas Allegri não celebrou a missa na Igreja da Paz naquele dia por “orientação” de seus superiores, que argumentavam questões de segurança. O padre acatou. Já havia sido intimidado logo que acabou a missa de 4 de julho, o fatídico dia em que fez críticas à política bolsonarista frente a uma das maiores tragédias sanitárias do país. O culto transcorreu normalmente, mas após a missa um grupo de cerca de oito pessoas entrou na sacristia aos gritos. “O senhor deveria rezar pelo presidente, que é um exemplo de cristão”, ouviu. Tentou dialogar sobre o que significava ser um bom cristão, sem sucesso. “O senhor deveria voltar para a Itália. Nós não precisamos do senhor aqui”, bradou outro fiel bolsonarista, segundo fontes ouvidas.
Na missa do domingo seguinte, uma nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outra de várias entidades foram lidas em solidariedade ao padre Lino Allegri, que não estava presente. Uma das entidades apoiadoras era o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Foi o suficiente para que um coronel reformado do Exército levantasse e desse gritos em protesto. “Este padre transformou o altar em um palanque político”, bradou. Acabou deixando a igreja após alguns fiéis gritarem “respeito”.
O militar passou então a organizar, com outros bolsonaristas, uma presença massiva à igreja em protesto ao que considera “comunismo”. No último domingo, 18, eles comemoravam o sucesso do boicote em áudios que circulavam pelo Whatsapp. “Estava cheio de general, coronel, foram tudo de verde-amarelo. Não apareceu um dos vermelhos. Os padres pediram arrego, perdão. ʽAqui é pra rezarʼ… Já afastaram o padre lá. (…) Foi uma beleza a missa com a nossa presença”, diz um integrante do grupo. “Botamos os comunistas pra correr”, emenda no mesmo áudio. Allegri diz que cancelou uma celebração após ser aconselhado por superiores, mas espera voltar para a Igreja da Paz em breve.