Fabio Astrauskas é CEO da Siegen Consultoria, especializada em reestruturação e recuperação de empresas
A importância dada à pandemia de COVID-19 no Brasil foi até aqui longe de ser consensual entre as esferas de governo federal, estaduais e municipais, entre as correntes políticas e até mesmo entre as classes sociais.
O debate ficou marcado entre uma equivocada polarização entre saúde e economia. Passados 4 meses, houve a dura constatação de que ambas saíram prejudicadas e que ainda há um longo caminho pela frente tanto para tratar a doença como para combater seus efeitos econômicos.
Na área econômica, costuma-se dizer que a empresa em crise vai para UTI quando recorre à LRF – Lei de Recuperação Judicial e Falência (11.101/2005). Uma das medidas para evitar a saturação do judiciário com a explosão de casos de Recuperação e Falência foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 21/05/2020 na forma do PL 1397. Atualmente, o PL está no Senado e será analisado juntamente com as 16 emendas apresentadas pelos senadores. Trata-se de uma lei transitória, válida durante o estado de emergência decretado em março até provavelmente final deste ano. Embora o projeto tramite em caráter emergencial, passados mais de dois meses, continua sem pauta para votação.
A ideia que concebeu o PL 1397 foi dividi-lo em duas frentes: a) adiar a demanda judicial e estimular formas negociadas de solução dos conflitos entre devedor e credor e b) modificar em caráter transitório alguns dispositivos existentes na LRF, ampliando seu alcance. Com as duas medidas, o legislador supõe que irá diminuir a necessidade da empresa em crise recorrer à Recuperação Judicial e quando o fizer terá mais chances de se recuperar.
Dentre as medidas preventivas, há a previsão de suspender por 30 dias ações de execução oriundas de compromissos vencidos e não honrados após 20/03/2020, inclusive contratos. Não caberia execução judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e coobrigações, cobranças de multas, decretação de falência e resolução unilateral de contratos bilaterais.
Durante o período de suspensão, devedor e credor deverão buscar saídas extrajudiciais e diretas, com o pano de fundo dos impactos econômicos e financeiros causados pela pandemia. A livre negociação de que a legislação trata, já realizada atualmente em muitos casos, evita a judicialização do processo e pode servir até mesmo para fortalecer o relacionamento econômico entre as partes e é um fator atenuante de sobrecarga de demandas no Poder Judiciário.
Caso não haja acordo amigável nos 30 dias estipulados, o devedor que comprovar redução significativa de seu faturamento (30% ou mais), comparando com o último trimestre de 2019, poderá ainda ingressar com pedido na justiça para obter mais 60 dias de prazo para negociação. O devedor deverá comprovar a queda do faturamento, bem como que estabeleceu o canal inicial de negociação com o credor. Havia um dispositivo de incluir a figura de um mediador, porém não aprovada.
A ideia da prorrogação com comprovação de queda de faturamento e busca de negociação visa impedir que as empresas devedoras utilizem a lei apenas para dar um calote na dívida.
Passado o prazo total de 90 dias, o devedor poderá requerer pedido de recuperação judicial na sequência, sendo que o período será deduzido do chamado stay period da LRF (prazo de 180 dias, quando as ações e execuções promovidas contra o devedor ficam suspensas).
Como dito no início, a segunda frente do PL 1397 trata de modificar transitoriamente a LRF durante o estado emergencial.
Primeiro, as empresas que já se encontravam em processo de recuperação judicial ou extrajudicial e que foram afetadas pela pandemia ocasionada pelo covid-19 poderão propor aditivos modificando propostas do Plano de Recuperação Judicial e incluir dívidas contraídas após homologação e somente serão aplicadas aos processos iniciados ou cujos respectivos planos de recuperação judicial ou extrajudicial forem aditados durante o período de vigência deste projeto de lei, qual seja, a data de sua publicação até 31 de dezembro de 2020.
Outra modificação transitória é a que trata do quórum de aprovação do Plano quando a empresa optar por pedir Recuperação Extrajudicial, que passa de 3/5 para 50%.
Os créditos que a empresa tiver tomado na forma de DIP (Debtor-in-possession financing), desde que com expressa anuência do juízo da recuperação serão considerados extraconcursais, ou seja não se sujeitarão ao eventual novo plano. Esta é uma medida para proteger e estimular o financiamento do soerguimento da empresa em crise.
O PL 1397 ainda estabelece o limite mínimo para a decretação da falência que passa a ser de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Finalmente, para microempresas e empresas de pequeno porte, o parcelamento da dívida passa de até 36 (trinta e seis) parcelas para até 60 (sessenta) parcelas mensais, iguais e sucessivas, podendo admitir a concessão de desconto ou deságio e, se corrigidas monetariamente, observarão a taxa de juros equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, sendo certo que, o pagamento da primeira parcela deste parcelamento deverá ocorrer em até 360 (trezentos e sessenta) dias, contados da distribuição do pedido de recuperação judicial ou de seu aditamento.
O que se espera agora, é que o Senado assuma o protagonismo para tratar da saúde das empresas em estado de UTI econômica. Se o PL 1397 demorar muito ainda para ser votado e aprovado, corre-se o risco de perder sua eficácia, qual seja não criar a tão temida onda de Recuperações Judiciais no Brasil.
(*) Fabio Astrauskas é CEO da Siegen Consultoria, especializada em reestruturação e recuperação de empresas